terça-feira, 21 de junho de 2011

Um pouco do profano


Como se através de um plástico vermelho. Assim ela passara a ver. Sentir. Quando tocada por ele tudo o mais pareceria profano. E as coisas simples teriam significado escarlate. Através daquilo que não saberia definir como paixão ou amor. E por mais que ao se questionar voltasse a esclarecer-se que o amava. Todas as vezes que os lábios se encontrassem ela perderia a vontade de pensar a respeito. Seria bom, por vezes pensou, estar apaixonada e ao mesmo tempo sentir-se possuída pelo desejo que ele manifestava na mente vazia e culpada.
Era afrodisíaco e intenso. Como se cada parte do corpo dele fosse indiferente. Incompatível. Queimando onde tocava. Não deveria estar ali. Ele não deveria tocá-la onde tocava. As caricias eram pequenos pecados contidos e reservados. E onde não havia o toque o corpo estremecia desejoso de inveja pura. Esperando sua vez. Esperando as queimaduras lúgubres. E ansiando ser tocado, beijado, lambido.
Os cabelos pareceriam, antes, quando não havia a sina vermelha que envolvia agora sua visão, como óculos translúcidos de outra realidade, antes dessa paisagem quente e infernal em vermelho vivo que se tornara o mundo, os cabelos seriam parte descartável, células mortas que preenchiam um espaço simples. Mas agora, até mesmo eles pareciam aquecer-se esperando o toque. Esperando mãos nervosas que os embaraçassem, tentando arrancá-los impetuosamente. Trazendo anestesicamente dor. E prazer. Através do plástico vermelho que talvez cobrira antes algum chocolate com coco, mas agora estava a frente de seus olhos. Mostrando o mundo depravado que havia dentro dela mesma. E ainda havia o leve aroma de chocolate ao inalar o mundo quente. Com respirações nervosas e hálito aquecido.
As mãos, sempre nuas, seriam elas as partes mais profanas do tão estigmatizado corpo humano? Elas que cobrem o que se considera vergonhoso. Ao mesmo tempo que tocam tornando-o parte sua. Visitando estranhos pensamentos fantasiosos. Onde não estamos ali, e cada parte tocada, escondida, cada parte sua é a coisa mais indecente de quem se quer ser. Um ombro. A boca. As pernas. Os seios. Tudo. E qualquer coisa. Envolto na imaginação de seus estereótipos bem alimentados. Fazendo-a se transformar em seus ídolos enquanto ofegante diz coisas para que ele a queira como ela os quer, como gostaria que a quisessem. Para ser consumida. Tomada. Desgastada. Destruída. Sem respiração ou pulso. Sem pensamentos ou luto. Só o suspiro forte de quem não se importa. Abram-se as portas para o que não se quer e se deseja. Mesmo que inominável seja. Que tradição não haja. Não há gemidos ensaiados, nem mesmo o som desagradável da atuação exagerada. Apenas a vontade de conter-se para não gritar. A besta. O caos. Qualquer coisa que esclareça. Pois pecado, pensou ela antes de afogar-se, é não pecar.

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