quarta-feira, 29 de junho de 2011

Meus pés diminuíram

Meus pés diminuíram? Ou meus passos se estreitaram? Teria eu objetivos tão grandiosos e atitudes tão pequenas? Jamais tentei alcançar as coisas que desejei. Eu apenas as desejei para que tudo o mais fosse descartável? Para que as coisas que possuo não me tomassem para si? E para que eu não chorasse ao deixar qualquer parte minha em coração qualquer?
Eu sou má. Isso, já conclui. Não inteiramente devo acrescentar. Sou o que se pode chamar de comum. O que és. O que escondes. Meus certos e errados se confundem, mas eu me sinto esclarecida. Por mais que as vezes ache que a loucura margeia os pensamentos constantes que não consigo conter por inteiro. Todas as possibilidades. Exatamente, todas elas. As mesmas que me esclarecem enlouquecendo-me. Indo de encontro ao que é óbvio, ao mesmo tempo que percebo, as palavras me são bem vindas para descrevê-las, mesmo que a mente não seja suficientemente grande para mantê-las inconscientes. Onde não me incomodariam.
Por vezes acho que sei demais. Que descobri ao contrário. Que percebo o que deveria sentir. E sinto o que ninguém mais sente. Que minhas motivações e atitudes não se encaixam em qualquer um, mas que são inteiramente admiradas por quem não teria coragem do mesmo. Onde aqueles que as conhecem comigo, a vangloriam, e aqueles que apenas as conhecem, a repudiam.
Sim, eu me livrei das convenções. Não sem antes entende-las, aceitá-las, saber recitar todas elas, e saber a face que se faz a qualquer menção dos tabus. Esse é meu mal, entender afinal. Antes que seja dito. Pronunciado. Antes que se torne vivo ou tangível. Eu o tenho dito. A tendência do que sentem. O prelúdio do que antevêem. Eu sei o que o faz só. O que lhe faz chorar. Mesmo que por vezes você não tenha a sorte de fazer tamanha simples associação, e chore, então. Monet. Ah, os borrões!
Eu lhe direi boas palavras, que parecem fazer sentido. Eu lhe sussurrarei ao ouvido. E sim, por vezes, admito, vou amar. Mas quando o corpo e todas as conexões nervosas me são tão familiares, onde a mente apossou-se de qualquer figurativo emocional, eu lhe digo, não perdoarei. E não hesitarei em deixar nada para trás. Com os passos estreitos de quem não vai por completo. De quem fere, para saber que ainda pode voltar, mesmo que não intencione a tal.
Sim, a loucura e o mal. Por vezes desejaria que coubessem em descrições minhas. Não sou hipócrita devo aferir. Todos os rostos meus me pertencem por completo. E todos os sorrisos seus devotados a mim me satisfazem. Devo lembrá-los, de que mais que apenas um ser humano, já egoísta e mal talhado em nossa origem, sou também alguém que ambiciona conhecer os limites do poder que possuo. Poder nenhum. Poder qualquer. Aquele que montei para mim, após ser derrotada. Quando minha face deixou de doer depois da noite chorada. Aquele que a humilhação transformou em orgulho. E que agora possuo, querendo sempre mais e o nada.
Meus pés diminuíram. Mas meus passos não são para trás. Meu vocabulário cresceu mas minhas histórias não se tornaram mais floreadas. Eu amo. Eu sangro. Eu corto. Eu rio. Eu minto. Eu choro. Eu vivo. Eu mato. Eu não sou a coisa perfeita que já desejei ser diante de quem me olha. Ainda que alguns duvidem das palavras aqui citadas. Ainda que eu tenha caminhado passos para fora da sua mente fechada. Eu não caibo em seu mundo. Pois o meu tem o tamanho da minha mente. A mesma loucura intocada. A mesma que enlouquece os punhos que puxam os cabelos para que eu esqueça de pensar. A loucura que me convém. Que me afoga. Que escreve. Que provavelmente, também, irá me matar.

sábado, 25 de junho de 2011

E o que é que ela vê nele? Nossos amigos se interrogam sobre nossas escolhas, e nós fazemos o mesmo em relação às escolhas deles. O que é, caramba, que aquele Fulano tem de especial? E qual será o encanto secreto da Beltrana?
Vou contar o que ela vê nele: ela vê tudo o que não conseguiu ver no próprio pai, ela vê uma serenidade rara e isso é mais importante do que o Porsche que ele não tem, ela vê que ele se emociona com pequenos gestos e se revolta com injustiças, ela vê uma pinta no ombro esquerdo que estranhamente ninguém repara, ela vê que ele faz tudo para que ela fique contente, ela vê que os olhos dele franzem na hora de ler um livro e mesmo assim o teimoso não procura um oftalmologista, ela vê que ele erra, mas quando acerta, acerta em cheio, que ele parece um lorde numa mesa de restaurante mas é desajeitado pra se vestir, ela vê que ele não dá a mínima para comportamentos padrões, ela vê que ele é um sonhador incorrigível, ela o vê chorando, ela o vê nu, ela o vê no que ele tem de invisível para todos os outros.
Agora vou contar o que ele vê nela: ele vê, sim, que o corpo dela não é nem de longe parecido com o da Daniella Cicarelli, mas vê que ela tem uma coxa roliça e uma boca que sorri mais para um lado do que para o outro, e vê que ela, do jeito que é, preenche todas as suas carências do passado, e vê que ela precisa dele e isso o faz sentir importante, e vê que ela até hoje não aprendeu a fazer um rabo-de-cavalo decente, mas faz um cafuné que deveria ser patenteado, e vê que ela boceja só de pensar na palavra bocejo e que faz parecer que é sempre primavera, de tanto que gosta de flores em casa, e ele vê que ela é tão insegura quanto ele e é humana como todos, vê que ela é livre e poderia estar com qualquer outra pessoa, mas é ao seu lado que está, e vê que ela se preocupa quando ele chega tarde e não se preocupa se ele não diz que a ama de 10 em 10 minutos, e por isso ele a ama mesmo que ninguém entenda.

Martha Medeiros

(Achei esse texto muito interessante. Além de muito verdadeiro)

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Crônicas de nada


Há um vazio. Há uma bolha de ar entre dois lábios. E não há nenhuma sensação na barriga. E os pensamentos ocorrem. E não se perde o fôlego. E há o vazio. Mas a mente está cheia. Mas não há ninguém dentro dela. Mas ainda há um beijo.
“Eu dei o teu nome pra uma estrela e no outro dia eu a perdi”. E o universo é um vazio ínfimo próximo ao vazio no coração. E não há motivos pra se estar triste. A alegria tão pouco se manifesta. E contam-se os dias pra uma viagem. Pra uma nova vida. Ou um novo amor. Sempre haverão boas músicas pra quando há um vazio, ou uma inspiração. E os acordes contam a nossa história mesmo sem intenção.
Sempre haverão bons amigos com quem conversar. E sempre haverão coisas que não falaremos mesmo assim. E há um vazio porque não se quer pensar naquilo que não há ou haverá. Nem mesmo se sabe o que é, porque não há. Não mais. Mas os beijos podem significar mais para os outros lábios. Mesmo que não hajam palavras. E haja o vazio.
E despedem-se com piadas sarcásticas. As palavras mudam, mas os jogos são os mesmos. Quem joga os dados olhando nos olhos, ganha. Mas não sabe como jogar quando não há jogo. Mas sentimentos. E as neuroses tomam conta dos copos. E perdemos estrelas.
Dentro de muitos há um todo. Mas dentro de outros não há ninguém. Por que já houve um todo, que nem mesmo muitas coisas podem preencher. E escolhemos esquecer. Trabalhar. Ler. Assistir. Beijar. Escrever. Mas o vazio ainda está lá. E ele não sente os lábios se tocarem. Não há mãos tremulas. Apenas confiança. E nesse caso, ela não preenche ego, ou qualquer outra coisa. É um anexo do que se pode sentir. E quando se pode fazer algo maior, escolhemos o vazio.
O vazio não machuca. O vazio não nos traz lembranças ruins. Apenas existe. Ele nos deixa respirar. E não nos dá dor de cabeça. Muito menos nos irrita. O vazio é deprimente. Não nos alegra. Não nos traz lembranças felizes. Ele não nos tira o fôlego. Apenas não existe. É um vazio.
Querer preenchê-lo só o faz mais vazio. Se alimenta de cigarros, música, livros, dilemas alheios, copos translúcidos com líquidos azuis e ausência de palavras. É uma dor anestésica. Um sentimento insensível. E então ele nos esfria. O vazio se enche de significados que não significam-se. Somente para acalantarmos a idéia de que estamos ganhando um jogo que não existe. E nós o ganhamos. Mas na estante há um vazio onde o troféu deveria ocupar.
Mesmo estando preenchido agora, encare o fato de que um vazio pode existir. Não existindo. Porque quando não há tampouco se sente. Mas muito se pensa. Dê o nome de alguém a uma estrela e esqueça a qual. Ela ainda estará lá. Poucas palavras podem descrever o vazio quanto esta: “amei”.
Então ame. Porque não há nada mais cheio. Vale a pena sentir-se vazio sabendo que já esteve-se transbordando. Recomendo tomar o copo todo antes que a bebida esquente e você tenha que engoli-la com desgosto. Tome até a última gota. E mantenha o gosto nos lábios. Espere que alguma hora o garçom volte e preencha seu copo vazio. Se ele não voltar tenha em mente que a última dose é sempre a melhor. Sinta-se vazio somente quando compreender o significado de estar completo. O vazio não machuca então não há o que temer. O vazio não agrada então não há o que esperar. O vazio não nos faz gozar. O vazio apenas não existe. E não há.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Um pouco do profano


Como se através de um plástico vermelho. Assim ela passara a ver. Sentir. Quando tocada por ele tudo o mais pareceria profano. E as coisas simples teriam significado escarlate. Através daquilo que não saberia definir como paixão ou amor. E por mais que ao se questionar voltasse a esclarecer-se que o amava. Todas as vezes que os lábios se encontrassem ela perderia a vontade de pensar a respeito. Seria bom, por vezes pensou, estar apaixonada e ao mesmo tempo sentir-se possuída pelo desejo que ele manifestava na mente vazia e culpada.
Era afrodisíaco e intenso. Como se cada parte do corpo dele fosse indiferente. Incompatível. Queimando onde tocava. Não deveria estar ali. Ele não deveria tocá-la onde tocava. As caricias eram pequenos pecados contidos e reservados. E onde não havia o toque o corpo estremecia desejoso de inveja pura. Esperando sua vez. Esperando as queimaduras lúgubres. E ansiando ser tocado, beijado, lambido.
Os cabelos pareceriam, antes, quando não havia a sina vermelha que envolvia agora sua visão, como óculos translúcidos de outra realidade, antes dessa paisagem quente e infernal em vermelho vivo que se tornara o mundo, os cabelos seriam parte descartável, células mortas que preenchiam um espaço simples. Mas agora, até mesmo eles pareciam aquecer-se esperando o toque. Esperando mãos nervosas que os embaraçassem, tentando arrancá-los impetuosamente. Trazendo anestesicamente dor. E prazer. Através do plástico vermelho que talvez cobrira antes algum chocolate com coco, mas agora estava a frente de seus olhos. Mostrando o mundo depravado que havia dentro dela mesma. E ainda havia o leve aroma de chocolate ao inalar o mundo quente. Com respirações nervosas e hálito aquecido.
As mãos, sempre nuas, seriam elas as partes mais profanas do tão estigmatizado corpo humano? Elas que cobrem o que se considera vergonhoso. Ao mesmo tempo que tocam tornando-o parte sua. Visitando estranhos pensamentos fantasiosos. Onde não estamos ali, e cada parte tocada, escondida, cada parte sua é a coisa mais indecente de quem se quer ser. Um ombro. A boca. As pernas. Os seios. Tudo. E qualquer coisa. Envolto na imaginação de seus estereótipos bem alimentados. Fazendo-a se transformar em seus ídolos enquanto ofegante diz coisas para que ele a queira como ela os quer, como gostaria que a quisessem. Para ser consumida. Tomada. Desgastada. Destruída. Sem respiração ou pulso. Sem pensamentos ou luto. Só o suspiro forte de quem não se importa. Abram-se as portas para o que não se quer e se deseja. Mesmo que inominável seja. Que tradição não haja. Não há gemidos ensaiados, nem mesmo o som desagradável da atuação exagerada. Apenas a vontade de conter-se para não gritar. A besta. O caos. Qualquer coisa que esclareça. Pois pecado, pensou ela antes de afogar-se, é não pecar.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Leia enquanto eles ainda sorriem

Não importando quem você é. O Deus que você cultua. Ou o político que você apóia. Ao entrar no hospital infantil você se sente indignado com todos eles. Suas feições congelam. E você sabe o que é tristeza na verdade.
Dói muito perder um grande amor. Dói machucar alguém que te ama. Dói fracassar em algo que você podia ter feito melhor. Ter se esforçado mais. Mas dói muito mais se sentir impotente diante de um sistema todo de falhas humanas, corrupção e doença.
Eu sorria e brincava de super herói, mas queria chorar por não ter super poderes e não poder fazer nada mais que dizer que vai ficar tudo bem. E as crianças sorriem pra você. Porque são crianças. E espero que nunca cresçam para saber que vivem em um mundo quebrado. E esse mundo se quebra nos ossos mais fracos. Espero que não deixem de sorrir.
Você pode apoiar qualquer governo, pode defender qualquer ideal utópico que tenham entupido sua cabeça com campanhas coloridas e simbologias. Mas ao entrar em um hospital infantil você odeia a todos aqueles que já tiveram chance de mudar o mundo e dormiram tranquilos sobre travesseiros com penas de ganso. Mais ainda se você vai visitar alguém em especial. A dor só nos visita mais próximo ao coração quando não é no noticiário a situação.
Abram-se as portas de vidro para as casas luxuosas que saem na Caras, mas fechem-se as portas que nos levam a leitos mal-arrumados. Façam-se protestos por salários maiores e asfalto, mas deixem que as crianças sonhem enquanto dormem. Mesmo que elas sintam dor, elas sorriem. Mas aos poucos não vejo mais o brilho nos olhos delas. Querem ir pra casa. Qualquer lugar que não seja ali. Sentem calor. E dói esperar.
Faltam cores nos hospitais. Faltam contadores de historias. Mas acreditem, está cheio de pessoas frias que não querem saber seu nome e lhe enfiam agulhas. Se existe vida nessas pessoas, ao lavarem as mãos, a vida se esvai. E a vida se esvai das crianças. Elas não votam. Mas se votassem, não trocariam essa chance por telhas, nem que fossem de chocolate, ou por asfalto, nem se fosse de coca-cola, elas trocariam seu voto talvez pela chance de estar em casa agora. Poder brincar e subir mais de dez vezes naquela mesma arvore de onde caíram. Ou comer aquela moeda que parecia tão interessante. E poder ficar em casa. E tudo ficar bem. Por que aquele lugar frio torna-se-ia confortável no governo eleito pelas crianças.
Um hospital infantil é um dos poucos lugares do mundo cheio de crianças onde você não se sente feliz. Todas as crianças vão para o céu. Talvez por inveja disso esses hipócritas que elegemos as deixam em um inferno aqui.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Sempre. Mesmo que eu não saiba quão longo isso significa.


Ela se preocupa demais. Seu coração palpita. E então está só. Afastou-os pela incerteza. Suas próprias tempestades molharam seus sonhos. E seu desejo de ter se tornou no medo de perder. E trêmula, chora. Ao fechar os olhos, nada ilumina a escuridão.
Ele disse, nada mais que palavras. E as palavras a ferem. Por mais que não tencionem. Ela é inconstante como o vento. E seu peito rasga de lamentos. Ainda sente algo. E ambos sabem. Os olhos se encontram. Apesar das palavras se esconderem. Os abraços demoram. Apesar dos encontros serem breves. E eles choram. Apesar de prometerem serem felizes.
Eu fui feita pra você. Pode até ser. Porém as peças queimaram-se, entortaram-se. Não mais se encaixam. Embora saibam, havia uma bela imagem a formar. E ele sussurra ao ouvido as palavras que ela mais ama e odeia. “Eu sempre vou te amar”. Embora ela o tenha ferido. Expulsado. Traído. Quebrado. Ele ainda está lá. E sempre vai estar.
Seus lábios abrem-se. Sua mente forma a frase. “Eu não te amo mais.”. Porém coração fala e a voz rouca diz mais do que um presente e menos do que uma promessa. “Eu também te amo”. E ela sabe que aquilo fere ao mesmo tempo que cura. Aquilo fecha a sepultura. Arrepia a alma e a segura. Porém… não há o medo de perder, pois não possuem um ao outro. Não mais. Não há a cobrança do previsível. Pois não há o compromisso. Apenas a certeza de que tudo era perfeito. E que ambos só poderiam estragar aquilo com o tempo.
Melhor deixar que viva. Perfeito e cálido. Melhor deixar que espere. Completo e egoísta. Ocupando onde é benquisto. Fechando-se diante do abismo. Beijando outros lábios. Jogando os jogos que os distraem. Cortando os laços que desamarram-se com facilidade. Amarrando outros de cores que não os satisfazem. Fingindo que o tempo não passa. Lembrando-se de como eram. Encontrando-se por acaso. Até que sejam vencidos pelo cansaço. E o estraguem sem descaso.
Porque não se trata de dar certo ou errado. E sim de um dia poder estar ao seu lado. Odiando e amando. Fazendo certo e errando. E ainda assim, amando. Mesmo não sendo amantes. Sem promessas ou datas previstas. Sem vestidos de revistas. Só o que eu sinto e o que você sente. Ninguém a frente. Um ao lado do outro. De mãos dadas. Com a vida formada. Porém escolhendo a estrada. E os cabelos soltos.

Eu sempre vou te amar. Eu sei.